quarta-feira, 15 de fevereiro de 2017

A LENDA DOS MIL TSURUS POR MARIA EMÍLIA BOTTINI


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A LENDA DOS MIL TSURUS
Maria Emília Bottini[i]

Ninguém sabe desde quando existe a lenda dos mil Tsurus (ave da espécie da família dos grous - cegonhas, nativa do Japão), refere que aquele que fizesse mil tsurus de origami teria um pedido atendido pelos deuses. A lenda ficou mundialmente conhecida com uma garotinha chamada Sadako Sasaki.
Sadako nasceu em Hiroshima e tinha dois anos quando os americanos lançaram a bomba atômica. Ela vivia distante do epicentro da bomba e juntamente com a mãe e o irmão, saiu ilesa do ataque, porém durante a fuga, foram atingidos pela chuva negra radioativa que caiu sobre a cidade ao longo daquele dia.
Após o término da guerra, Sadako e sua família viviam normalmente. Ela era uma garota aparentemente saudável até completar doze anos. Em janeiro de 1955, durante uma aula de educação física, ela adorava corridas, sentiu-se mal e teve tonturas. Dias depois sentiu-se mal novamente e caiu no chão, sem sentido. Foi levada ao hospital, depois de alguns dias surgiram marcas escuras em seu corpo e foi diagnóstica com leucemia. Ela foi internada em fevereiro de 1955 com um prognóstico de um ano.
Em agosto, sua melhor amiga, Chizuko Hamamoto foi visitá-la e a presenteou com uma dobradura de tsuru e contou-lhe sobre a lenda dos mil tsurus de origami. Sadako decidiu fazer os mil tsurus, desejando a sua recuperação. A doença avançava rapidamente e sentia-se cada vez mais debilitada, mas prosseguia dobrando lentamente os pássaros, sem mostrar-se zangada, mas sim resignada.
Em dado momento a menina compreende que sua doença era fruto da guerra e mais do que desejar apenas a própria cura e a paz para a humanidade e também para que nenhuma criança mais sofresse pelas guerras. Ela disse aos tsurus: “Eu escreverei paz em suas asas e você voará o mundo inteiro”. Na manhã do dia 25 de outubro de 1955, Sadako montou seu último tsuru e faleceu, amparada por sua família. Ela não conseguiu completar os mil origamis, fizera 644. Mas seu exemplo tocou profundamente seus colegas de classe e estes dobraram os tsurus que faltavam para que fossem enterrados com ela.
Os colegas formaram uma associação e iniciaram uma campanha para construir um monumento em memória à Sadako e à todas as crianças mortas e feridas pela guerra. Em 1958 com doações de cerca de 3100 escolas japonesas e mais nove países, foi erguido o Monumento das Crianças à Paz, conhecido também como Torre dos Tsurus, no Parque da Paz em Hiroshima.
O monumento de granito simboliza o Monte Horai, local mitológico onde os orientais acreditam que vivem os Espíritos. No topo do monte está a jovem Sadako segurando um tsuru em seus braços estendidos. Na base do monumento estão gravadas as seguintes palavras: “Este é nosso grito. Esta é nossa oração: paz no mundo”.
Essa lenda me tocou profundamente, porque a Paz é ainda um desejo, um devaneio, uma utopia no horizonte do mundo moderno. Mal termina uma guerra outra já está a caminho ou mesmo ocorrem concomitantes, tornando-nos uma humanidade sempre em guerra. Guerras são justificadas e foram aprendidas e quiçá possam ser desaprendidas.
É preciso acreditar no desejo das crianças e construir a paz no mundo a partir de atitudes e não de falatório. Se bem me lembro não foram as crianças que soltaram as bombas atômicas no Japão em 1945. Crianças refletem o que vivem.
Quantos tsurus deveríamos fazer no mundo moderno para nos dar conta de que a guerra só produz cemitérios, órfãos e sofrimentos? Talvez apenas um tsuru, seja o suficiente, parece que nossos braços não conseguem substituir os de Sadako e suportar tal peso e poder em nossas mãos, é responsabilidade demais para os humanos, deixemos para as lendas.




[i] Psicóloga clínica, Mestre em Educação pela Universidade de Passo Fundo (UPF), Doutora em Educação pela Universidade de Brasília (UnB). Autora do livro: No cinema e na vida: a difícil arte de aprender a morrer. Acesse a página do livro: https://www.facebook.com/No-cinema-e-na-vida-a-dif%C3%ADcil-arte-de-aprender-a-morrer-896048947117180/?ref=bookmarks. E-mail: emilia.bottini@gmail.com.
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