quinta-feira, 27 de setembro de 2012

A Terapia Comunitária Integrativa como prática complexa

A Terapia Comunitária Integrativa como prática complexa

Por em 23/09/2012
 
A Terapia Comunitária Integrativa é uma realidade complexa, como todo fenômeno social ou, como aqui preferimos nos referir, como todo fato social, no sentido com que Émile Durkheim, o fundador da sociologia, se refere àquelas formas de pensar, sentir e agir que se constituem no objeto desta ciência. Essa complexidade está a demandar uma intersecção de pontos de vista disciplinares, por um lado, e por outro, uma visão integrada de saberes que compõem a Terapia Comunitária Integrativa.
Quando dissemos tratar-se de uma prática complexa, queremos significar que nela se resumem ou reúnem, inúmeros saberes tanto populares como científicos. E é tarefa desta publicação, iniciar um rastreamento dessa gama de conhecimentos que se amalgamam na Terapia Comunitária Integrativa.
Costuma ser dito que na TCI há cinco pilares básicos: Resiliência, Antropologia Cultural, Pedagogia de Paulo Freire, Pensamento Sistêmico, e Pragmática da comunicação humana.
 
Estas bases teórico-práticas são, de per si, setores do conhecimento suficientemente ricos e diversificados, como para exigirem uma atenção cuidadosa dos pesquisadores, tanto quanto dos praticantes da TCI.
 
Na Terapia Comunitária Integartiva, há uma prática e uma investigação sobre essa mesma prática. Não é uma técnica, embora se utilize de recursos técnicos na realização das rodas.

Esta prática complexa supõe um despojamento de preconceitos, aquele requisito inicial que Durkheim, o fundador da sociologia, estabelece como o ponto de partida para o conhecimento dos fatos sociais. Libertar-se dos pré-conceitos é se despir diante da realidade, vê-la ou tentar vê-la tal como ela é, e não como dizem as ideias revias formadas sem o auxílio da ciência.
 
Esta postura de inocência, se assim podemos dizer, supõe o resgate da criança interior, desse primeiro núcleo perceptivo ou primeiro mestre interior, onde se aninham tanto a visão original do mundo, quanto a capacidade para vencer as batalhas da existência.
 
No processo a pessoa vir a se tornar terapeuta de si mesma, um processo que se dá de maneira coletiva, por participação tanto em rodas de terapia, em que caem os véus da fragmentação e do isolamento, quanto nos cursos de formação em TCI e nos Cuidando do cuidador, a pessoa recupera a confiança em si mesma e nos outros. Eu sou capaz, eu valho. Frei Betto, ao comentar a Pedagogia da autonomia de Paulo Freire, se refere à auto-estima que as classes populares recuperam neste processo.
 
Aqui, volta-se o sujeito para sua história de vida, re-lida sem o anteparo das ideias cristalizadas condenatórias e culpabilizantes, para aflorar novamente a possibilidade de uma vida nova, toda nas suas mãos, inteiramente sob a sua responsabilidade, e na trama dos valores que dão sentido è sua existência pessoal e grupal.
 
As coisas começam a serem vistas de maneira contextualizada. O que acontece, faz parte de um todo maior que o contem e lhe dá significado.
Diferentemente de abordagens terapêuticas que isolam a pessoa da rede de relações, na TCI, ao contrário, tudo começa no diagnóstico comunitário, e na composição do quadro interpretativo e factual do qual fazemos parte.
 
Muitas ideologias “de libertação,” nati-mortas, apregoam a recuperação da pessoa humana, sem contatá-la, partindo de abstrações intelectualistas. Aqui, ao contrário, o saber científico alicerça uma recuperação da pessoa em que os saberes populares intervêm de forma criativa para des-embaraçar a caminhada do indivíduo em uma sociedade complexa na qual a criatividade tem primazia frente às receitas feitas, inúteis por menosprezarem a realidade.
 
Ao invés de prescrições: linhas de ação, palavras geradoras, que vão oxigenando a visão da pessoa sobre quem ela é, o que pode, suas capacidades e valores. Nas formações e nos encontros, ouvem-se estes chamamentos à autenticidade, a um re-encontro consigo mesmo, que possibilita a renovação da vida, a recuperação do sentido da existência.
Toda forma de conhecimento é social. Todo conhecimento é uma construção coletiva. Em que sentido ou sentidos, haveria alguma originalidade em se afirmar que a TCI é uma forma de construção social da realidade?
 
Desde Marx, pelo menos, temos certeza de que toda forma humana de apropriação do mundo é feita a través de relações sociais determinadas, em contextos específicos que lhe dão feições especiais, e de modos concretos, resultantes de trabalho humano realizado em condições de dominação.
 
Tomo Marx como ponto de partida, embora toda uma teoria do conhecimento e uma sociologia do conhecimento, tenha tentado desmerecer ou ignorar as suas contribuições. Quando digo Marx, refiro-me ao autor de A Ideologia Alemã, A questão judaica, os Manuscritos Econômicos e Filosóficos de 1844, embora, como com qualquer autor, as referências a esta ou àquela obra, devam estar perpassadas pelo fio condutor que as costura e lhes dá sentido.
 
No caso de Marx, este eixo é a alienação, a expropriação da noção de sujeitos, daquela parte da humanidade que produz, pelo trabalho, os bens necessários à subsistência.
Paulo Freire e Max Weber elaboram, em distintos contextos, mas com preocupações convergentes, esta problemática. Wright Mills e Erich Fromm, lhe dão conteúdos contemporâneos. E Peter Berger e Thomas Luckmann, a situam no ponto que nos interessa retomar essa linhagem, que inclui Durkheim, o fundador da sociologia.
 
A TCI, como toda forma de conhecimento, é uma construção coletiva. O que há de particular nela, que dê umas características específicas a esta forma coletiva do conhecer? Há pelo menos dois sentidos, que aqui enfatizamos: É uma construção coletiva (a) pois dispensa as “robinsonadas” solitárias de quem supõe, individualmente, ser capaz de conhecer e transformar. (b) Então, implica num afazer coletivo, plural, em que se misturam formas populares e científicas de conhecer.
Ainda no campo científico, e também no popular, misturam-se saberes diversos, de origem e tradições também diversificadas.

Por isso podemos dizer que a TCI é um conhecimento pluridimensional, em que se integra o que as pessoas e comunidades construíram como experiência de vida, e formas científico-acadêmicas de saber, desdobradas em disciplinas e especialidades.
 
Nesta interseção e integração de saberes, o que se privilegia, é o processo de libertação, de ruptura de prisões mentais e emocionais.
 
Rolando Lazarte, sociólogo, terapeuta comunitário, escritor. Primeiro Diretor de Comunicação Social da ABRATECOM-Associação Brasileira de Terapia Comunitária. Membro do MISC-PB. Acesse os blogs http://rolandolazarte.blogspot.com/ e http://rolandolazarterapeutacomunitario.blogspot.com

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