quarta-feira, 2 de novembro de 2011

ENTRE NÓS com Maria Emília

imagem: net

OS CATADORES DE ALMAS

*Maria Emília Bottini

**Eliziário Noé Boeira Toledo

Os heróis têm sido por milênios os prediletos dos deuses.

Eles partem primeiro. São eles os desbravadores que rompem tradições, quebram paradigmas, subvertem a ordem, violam leis, pregam e fazem revoluções. E onde quer que tenham existido, uma afronta e um perigo são para aqueles que defendem a ordem estabelecida. O mundo seria apenas um vale de sombras sem nenhuma esperança sem eles. São utópicos, visionários, românticos e teimosamente insistem na construção de uma nova humanidade, onde o homem deixe de ser lobo do próprio homem.

São os que perguntam, questionam se insurgem contra a violência e a injustiça. São os cantores daqueles que não possuem voz, a lembrar os lamentos e misérias que sofrem. Denunciam alto e atroador que são eles, os deserdados do mundo, deserdados da vida, deserdados de nós, evidências cruas e cruéis da tão nossa trágica e patológica indiferença. São os que se recusam a cotidianamente a consumir a ração diária de cinismo.

São os catadores de almas, que acima de tudo, transformam os discursos tão retóricos em prática quotidiana. Fazem revoluções por seus exemplos. Descobrem a nudez das nossas almas, oferecendo calor e abrigo. Quebram nossas muletas forçando-nos a andar. Arrancam segredos, exorcizam demônios, desencarceram anjos cativos, rompem silêncios. Misto de ternura e tormenta.

A bem da verdade, vivem cheios de dúvidas. Fazem perguntas demais, respostas de menos. Desconcertam e por vezes nos roubam o comando, mexem em velhas feridas, vasculham na certeza da cura.

Simplesmente amam. Pelos olhos, pela pele, amam o que dizem, amam o que fazem, ardem em fogo e queimam até a exaustão. São frequentemente sacudidos e apedrejados semelhantes às árvores que produzem frutos, especialmente as que produzem bons frutos. Para nós, simples mortais, homens de cinzas e cujas vidas insípidas jamais seremos os mesmos após eles. Os tantos caminhos de todos nós, uns tortuosos, outros íngremes. Outros ainda confusos e incertos de serem percorridos se tornam menos penosos, onde estes seres raros e únicos, “anjosamente”, de quando em vez surgem e dividem seus dias com nossos dias, emprestando-nos seu entusiasmo e coragem e os fardos tornam-se suportáveis. Onde estes seres raros, únicos e anônimos dedicam e devotam suas energias e vida, apenas pelas simples e prosaica razão: eles se importam.

Buscamos abreviar os caminhos aos encurtá-los nos mil incertos atalhos da vida. Perde-se o eu, a alma. Perde-se a fé, a esperança, a sensibilidade. Perde-se a tesão. Quando nos damos conta, despidos estamos de alma e de sentimentos, estéreis e ocos de humanidades vazias. Humanidade cheia de palha, cheia de nada.

Escolhemos caminhos desejosos de termos feito escolhas certas. Na maioria das vezes, nem sempre é possível. Afinal, certos ou errados, somos os resultados dessas escolhas. Isso é tudo o que temos.

Os catadores e fazedores de almas pacientemente juntam os fragmentos das almas quebradas, as remodelam, as remontam e, como uma mágica desconhecida, atribuem a elas um novo sentido. Sorte daqueles que, ou por motivo ou faculdade qualquer, dividem com eles um pouco de seus dias e de seus sonhos ou das suas utopias, e de alguma forma fazem parte de suas vidas, ainda que por um fugaz e breve momento. Descobriremos que os desejos de esperança que tínhamos e por acaso estão hoje adormecidos e que um dia nos serviu de inspiração, pelas mãos desses fazedores de humanidade, estarão lá para nós mais uma vez.

* Psicóloga, Terapeuta Comunitária, Professora Universitária e Mestre em Educação pela Universidade de Passo Fundo (UPF). E-mail: emilia.bottini@gmail.com.

** Sociólogo, Mestre em Desenvolvimento Rural – PGDR/UFRGS. E-mail: eliz-toledo@hotmail.com.

Nenhum comentário:

Postar um comentário