quarta-feira, 28 de setembro de 2011

ENTRE NÓS com Maria Emília

SONHOS DE MENINA
Maria Emília Bottini

Sou professora universitária desde abril de 2011. Esse ano marca meu percurso na educação superior neste árido e seco terreno do planalto central. Meus pés pisam assustados com o que vejo e sinto, questionamentos surgem e me angustiam, muitos sem respostas e nem luzinha no final do túnel. Estou ainda tentando saber o que se passa com a autoridade do professor, com presença em aula dos alunos para além do corpo presente, e as responsabilidades dos alunos com o próprio conhecimento e postura pessoal, perguntas demais, respostas de menos.

Bem, até onde eu tinha conhecimento e estudei no mestrado em educação com a professora doutora Solange Longhy, uma das melhores professoras que tive na vida vivida, em suas aulas falava na ideia de que a educação era desenvolver a humanidade no ser.

Pois bem, minha mestra me fez acreditar e buscar formas de desenvolver a humanidade no ser. Parecia algo fácil, visto que sou psicóloga que, além de trabalhar, sempre me importei com algumas questões dos humanos sem voz e nem vez, briguei por elas na crença de deixar no mundo algo melhor para se viver e ver. Entre essas brigas, estão mulheres pauperizadas, com baixa estima e vitimizadas pela violência masculina, crianças estupradas por seus próprios pais, pela escola e pela sociedade, doentes mentais, crianças deficientes; enfim, uma leva de lixo humano segundo Baumam, fragilizados e impotentes para brigar por si mesmo e agora entre estes incluem-se os alunos.

Bem, essa palavra aluno requer no momento explicações e contextualização, ou seja, indivíduo que frequenta aulas, que senta e finge muitas vezes estar escutando, que atende celular sem o menor constrangimento, mas diz que não está atendendo, que masca chicletes, chupa pirulitos e joga joguinhos infantis nos intervalos, que dificilmente chega na hora de iniciar a aula e necessita sair antes porque o transporte público é de péssima qualidade, que não realiza os trabalhos solicitados porque não lhe interessa, que até imprime o material solicitado, mas não o lê porque não dispõe de tempo ou não lhe interessa, que não tem no conhecimento uma possiblidade de crescer e aprender, que sem a menor preocupação com a presença do professor conversa em alto em bom tom com seu colega ao lado, que coloca seus pés sobre a cadeira para descansar seu corpo cansado, que trabalha diariamente em locais penosos e insalubres, que é pobre de cultura, diversão e arte, que muitos nunca leram um livro, um livro sequer. Alunos, novos alunos.

Em uma de minhas aulas, uma aluna estava desenhando, me interessei por seu trabalho, visto serem muito bem feitos com traçado obsessivo e perfeccionista de alguém que demonstrava muito talento e sensibilidade. Perguntei o que fazia em minha aula, visto não ter nada a ver com seu desejo e que deveria ir atrás de algum curso que estudasse desenho, moda, design...

Responde-me que já havia procurado várias instituições, mas que devido a sua condição financeira, não era possível cursar porque não dispõe de R$800,00 por mês para pagar a mensalidade.

Em Brasília e certamente outros lugares, pessoas pagam isso por uma janta ou mesmo uma tosa de um cachorro. Veja bem, não estou contra os jantares caros e a cachorros frequentar pet shop, mas sou a favor da educação de pessoas pobres e com talento a flor da pele, que sequer são vistas ou percebidas no processo educacional. Ela tem um sonho de menina, quer ser desenhista de roupas, de moda. Ela já é, apenas precisa e necessita acessar o diploma que lhe assegure o saber e que entende do assunto. Sonhos de menina pobre que tem no financeiro seu critério de exclusão.

Quantos sonhos frustrados ainda serão necessários? Fico a pensar em como estamos numa vasta e generosa marcha a queimar talentos. Para nossa trágica existência, os idiotas estão vencendo.

Quantas meninas sonhadoras e talentos vamos perder no processo de fingimento de uma educação que pouco se importa? No entanto, eu me importo.


[1] Psicóloga, Terapeuta Comunitária, Professora Universitária e Mestre em Educação pela Universidade de Passo Fundo (UPF). Aluna especial do Programa de Pós-Graduação do Doutorado em Educação pela Universidade de Brasília (UNB), e-mail: emilia.bottini@gmail.com

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