imagem net
ILUMINAR O AMOR
Maria Emília Bottini
Minha
escrita de hoje é para pensarmos na vida. Muitos já passaram pela experiência
de ter o corpo acometido por um câncer ou mesmo algum familiar. Essa doença,
atualmente, afeta grande número da população e chega-se a pensar que não há
interesse da ciência na erradicação dessa moléstia, pois a doença gera lucros,
por veze maior que a saúde.
Com
isso, quero dividir com vocês um pouco da história de uma pessoa incrível que
luta pela vida. Tenho uma amiga que admiro profundamente, seu humor é sua
marca, quando estou com ela o riso é fácil, mas as lágrimas também se fazem
presentes. Ela tem câncer em seu corpo minúsculo e frágil, mas seu interior
carrega um mulherão com forças avassaladoras que deixa muitos de nós recolhidos
na insignificância.
Sua luta
contra o câncer tem algum tempo, foram muitas quimioterapias, já passam de
quarenta. Confesso que por vezes não sei de onde tem retirado forças. Ela mesma
se questiona sobre isso. Afirmo a ela que é para além do corpo casando, ferido
e maltratado pela doença, seus recursos brotam de seu interior, forjados ao
longo do seu viver.
Estudei
a temática da morte para entender a vida e pensei muito sobre emprestar-lhe
alguns livros de Elizabeth Krübler-Ross, pioneira nos estudos de tanatologia.
Além de pensar, separei três livros que me pareciam adequados que ela os
conhecesse, deixei-os na estante para em um algum momento falar-lhe deles.
Não
demorou e recebi sua visita em minha casa. Nessa ocasião achei oportuno falar-lhe
sobre esta grande autora e seus escritos. Minha amiga só me olhava e dizia “Eu
não acredito, não acredito”. Alguém de sua relação lhe havia sugerido a leitura
Krübler-Ross naquele dia. Sincronicidade? Acaso? Coincidência? Não sei. O fato
é que assim aconteceu e os livros partiram com ela naquela noite.
O tempo
passou e em fevereiro entregou-me quinze páginas escritas frente e verso. Ao
chegar em casa me envolvi com algumas atividades, mas não poderia dormir naquela
noite sem ler o que havia nos manuscritos. Havia observações, desenhos,
dúvidas, perguntas, reflexões e conversas com a autora de “Os segredos da vida”,
que trata das lições que devemos aprender antes de morrer, sensivelmente regado
a exemplos ricos em sabedoria e delicadeza.
Ao
finalizar a leitura entendi que este livro havia penetrado o seu DNA,
entranhado sua alma, então minhas lágrimas floresceram. Não me contive e gravei-lhe um áudio no calor
das minhas emoções de receber esse presente-vivo. Emprestei-lhe livros e ela me
devolveu vida, sua vida, sua trajetória, sua música, seus alunos, sua história
bonita e sofrida. No áudio a questiono sobre qual seria a lição que precisava
aprender antes de partir.
Minha
amiga não me retornava, fiquei um tanto preocupada, queria um retorno imediato,
por vezes é preciso esperar o tempo, visto sua saúde ser frágil.
Também
gravou um áudio em que agradecia a experiência e a oportunidade de ter
conhecido Elizabeth, agora já eram íntimas e que a lição que mais precisava
aprender era a do amor. Ouvi o áudio e passei a mão em um bebezinho que me
acompanha em muitas atividades. Nos encontramos no grupo de yoga que fazemos
nas terças e quintas. Grupo que tem uma instrutora cuidadora de nossos corpos,
mas também de nossas almas.
Nesse
dia a lição do amor foi aprendida com mais propriedade, com o bebezinho em seu colo
nos contou de sua menina, de suas marcas na adolescência, da anemia plástica aos
quinze anos, do transplante de medula, das manchas que o corpo recebeu para
todo o sempre, da autoestima abalada, da faculdade no Rio de Janeiro, das aulas
de biologia, da professora que se aposentou antes do tempo pelo câncer, da música
que invadiu sua alma com a flauta... Contou-nos do sentir falta de amor algumas
vezes, das diferenças, das dores que o câncer lhe trouxe, da dificuldade de
entender alguns cuidados...
Enfim,
dividiu conosco a dor e o prazer de ser quem é.
Minha
amiga falou, falou, falou... Nós que participamos desse momento fomos
escuta(dores) da mulher guerreira, batalhadora e de uma intensa luta pela vida
que se abriga em seu corpo marcado pelo câncer, características que desconheço
em muitos corpos saudáveis que cruzam meu caminho.
Ao final
desse momento de yoga-terapia enchemos balões coloridos com o amor.
Optamos
por não estourar os balões, mas sim carregá-los conosco e espalhá-los por onde
estivéssemos.
Os balões
foram iluminados o que trouxe luz ao amor. Talvez tudo o que precisamos fazer
em uma vida finita seja iluminar o amor para que ele siga para além de nós
mesmos quando aqui não estivermos mais.
[1]Psicóloga da Clínica Ser
Mestre
em Educação pela Universidade de Passo Fundo (UPF)
Doutora
em Educação pela Universidade de Brasília (UnB)
Autora
do livro No cinema e na vida: a difícil arte de aprender a morrer