Ensaio sobre o livro de Wimer Bottura, Ciúme pela Fabiana Abi Rached de Almeida
ENSAIO SOBRE O CIÚME
(imagem internet)
Um homem, prestes a se mudar de sua cidade natal por causa de um bom emprego, aborta seus planos em função de uma viagem ao exterior oferecida por seus pais prestimosos. Um marido zeloso poupa sua esposa de qualquer “tarefa”, tornando-a sua dependente. Uma esposa sente muita raiva do sucesso do marido. Dois irmãos vivem em “pé de guerra”, disputando a atenção dos pais. Um namorado vigia constantemente a namorada e tem sonhos freqüentes de que ela o está traindo. Uma namorada provoca / estimula o ciúme do namorado numa tentativa de mantê-lo exatamente por esse sentimento como se isto fosse uma prova de amor. Uma profissional competente coloca seu cargo numa empresa em risco porque cria confusões e intrigas entre colegas com medo de que algum deles tome seu cargo. Duas grandes amigas põem seu relacionamento à prova quando uma delas começa a namorar.
Histórias como essas são muito comuns e tem como motor principal o ciúme. O ciúme, tido como algo normal nas relações humanas, é constantemente fator de stress, brigas, culpabilizações, etc., causando uma má qualidade de vida. Alertamos desde já: o ciúme deve ser, na medida do possível, tratado!
Uma das obras de estudo do NAC é o livro de Wimer Bottura, Ciúme: entre o amor e a loucura (2003). O livro de Bottura tem uma linguagem fácil e traz exemplos muito ricos de como o ciúme se manifesta nas diferentes esferas da vida afetiva, familiar, profissional. E, principalmente, alerta-nos para a gravidade do assunto, o ciúme é um elemento pernicioso e destrutivo que não deve ser aceito como algo natural nas relações humanas.
De acordo com Bottura, nós temos uma educação e uma cultura baseada no ciúme, por isso, estes tipos de manifestações são relativamente aceitos como algo de nosso cotidiano, como demonstração de amor e apreço. Mas isso não é verdade e a atitude mais coerente é nos perguntarmos os porquês do ciúme para que não mais nos machuquemos e também não machuquemos as pessoas ao nosso redor. Nas palavras de Bottura: “Nesses últimos vinte anos, principalmente pela vivência profissional, pude comprovar que um dos maiores sofrimentos humanos é causado pelo ciúme (2003, p. 15)”; “O ciúme funciona como um remédio que faz mais mal do que a própria doença a ser curada” (2003, p.16).
Mas, o que é de fato o ciúme? Será mesmo que o ciúme é uma manifestação do amor? Nos dicionários de língua portuguesa, inglesa, alemã e francesa, o ciúme tem como sinônimos, de forma geral, os termos: inveja, competição, ambição, rivalidade, zelo, cólera, etc. Segundo Bottura, o ciúme é um sentimento espectro da emoção medo, que pode se misturar às características da raiva (como diz Adalberto Barreto “onde tem medo tem raiva e vice-versa”). Pois, se o medo perdura, o organismo irá associá-lo à raiva e se encarregará da defesa do indivíduo. E se a raiva não resultar na solução da ameaça, aparecerão comportamentos mais bem elaborados e aí um castelo de ciúme será construído, bem mais difícil de ser resolvido e mesmo decodificado.
O ciúme pode se manifestar nas diversas formas de controle sobre o outro; pode se manifestar também na tentativa de causar ciúme no outro, como forma de tentar amarrar o parceiro pelo ciúme. Às vezes, manifesta-se em maridos com comportamentos alterados em relação à esposa depois do nascimento do primeiro filho. Mesmo em esposas que não suportam ver o sucesso de seus maridos e vice-versa. Entre mães e filhas quando ocorre competição entre elas. Entre irmãos que disputam a atenção dos pais, tornando-se pessoas possessivas e dependentes.
Mas o ciúme pode também estar disfarçado de “boas intenções”, que, na verdade, geram dependência e culpa nos envolvidos e escondem um medo terrível do abandono. Por exemplo, muitas vezes, por trás das atitudes de um marido super prestativo, bem intencionado, que advinha todos os desejos da esposa, há um homem que teme a independência da mulher. Muitas vezes, a mãe devotada e superprotetora pode usar suas boas intenções para manipular seus filhos.
Assim, por mais prejudicial que seja, o ciúme aparece em nossas relações cotidianas e muitas vezes o aceitamos como algo próprio da natureza humana. Mas, Wimer Bottura alerta, as manifestações de ciúme em pessoas adultas raramente são normais: “Quando comecei a pesquisar sobre o tema, acreditava na existência de um ciúme normal, e no meu primeiro livro – Filhos Saudáveis – cheguei a falar de certa naturalidade deste sentimento. Hoje, no entanto, diante de um conhecimento mais amplo a respeito do assunto e de sua gravidade, sou forçado a admitir que raramente as manifestações de ciúme são normais nas pessoas adultas”. (2003, p.32).
Claro que, em crianças, o assunto muda um pouco de foco. Por exemplo, um bebê recém-nascido desconhece a realidade objetiva e é desprovido de intencionalidades, principalmente de se voltar contra alguém. Ele pensa apenas em assegurar sua sobrevivência. A mesma coisa pode acontecer em relação ao ciúme entre irmãos. Dependendo da diferença de idade entre eles, não podemos considerar o ciúme do mais velho como algo doentio, pois ele ainda não dispõe de recursos cognitivos para a diferenciação das atitudes do irmão mais novo.
No entanto, quando o irmão mais velho apresenta uma diferença de idade significativa em relação ao mais novo ou já apresenta uma personalidade estruturada (por volta dos oito anos), a existência do ciúme poderá evidenciar alguma alteração na estrutura familiar. E, nesse caso, são os adultos que sinalizam de forma errônea a realidade ou seus próprios sentimentos – às vezes, demonstrando de fato a preferência pelo filho mais novo.
De acordo com Bottura, o ciúme, a não ser na criança, tem muita possibilidade de ser uma manifestação de doença. Às vezes, pode não ser a própria doença, mas provavelmente será um sintoma.
O que é normal é o medo da perda perante a possibilidade de uma perda afetiva. Lógico que as pessoas se sentem inseguras com as perdas e demonstrem seu medo por isso. O problema começa quando a expressão desse medo não é valorizada pelo outro.
A falta de respostas, apoio ou esclarecimentos de dúvidas num relacionamento contribuem para que se alimentem sentimentos destrutivos, como rivalidade, inveja, competição, rancor, vingança, etc. Se uma pessoa, por algum motivo, demonstra o medo de ser excluída da vida de alguém e não encontra compreensão ou amparo em relação ao que está sentindo, num momento posterior, sem respostas, ela passará a agir com um comportamento típico de ciumento, perdendo toda sua espontaneidade.
O ciumento age conforme sua própria insegurança e começa a desconfiar, manipular, jogar uns contra outros, reprimir o comportamento do outro, fazer ameaças e assim por diante. E é por isso que tais comportamentos, fundamentados no ciúme, não devem ser aceitos como normais: “Podemos dizer que o ciúme é freqüente, porém não é normal!” (BOTTURA, 2003, p.33).
A anormalidade é determinada, muitas vezes, pela falta de estímulos objetivos para isso. Ou seja, da relação pais e filhos até a relação entre irmãos, casais e amigos, observamos que o ciumento parte de distorções de interpretação da realidade para fortalecer e justificar seu raciocínio e dar continuidade as suas atitudes de ciúme.
A pessoa enciumada acredita que é proprietária do outro; crê que o outro tem a obrigação de incluí-la e todas as situações de sua vida, mesmo porque pensa que, na primeira oportunidade, será excluída dessa relação.
O ciumento distorce tanto a realidade, confia tanto em suas fantasias, que termina por criar uma série de comportamentos que comprovem diariamente, para ele mesmo, que está sendo jogado para fora de um relacionamento.
De forma nenhuma, queremos condenar a pessoa que sente ciúme, mas alertá-la para os possíveis boicotes que faz em sua própria vida; alertá-la para a importância de olhar para esse ciúme procurando suas origens e possíveis soluções. Nesse sentido, alertamos para a importância do autoconhecimento e consequentemente do autocuidado, que podem ocorrer de diversas formas (terapias, relaxamentos, conversas sinceras com as pessoas envolvidas, etc). Quando convivemos com as pessoas, é nossa responsabilidade termos, na medida do possível, noção das consequências de nossas atitudes.